Depois de terem recebido, durante
ultrassonagrafia, a informação de que esperam bebês com microcefalia
(tamanho da cabeça menor que o normal para a idade), duas gestantes do
interior da Paraíba passaram pela amniocentese – um exame invasivo em
que uma amostra do líquido amniótico (aquele que envolve o feto durante
seu desenvolvimento) é retirada do útero e examinada em laboratório.
Ontem a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que participa das investigações
para identificar as causas do avanço dessa anomalia congênita no
Brasil, notificou que o Laboratório de Flavivírus do Instituto Oswaldo
Cruz constatou a presença do genoma do vírus zika em amostras de líquido
amniótico de ambas as gestantes.
“Foi feita essa pesquisa intraútero há
uma semana”, diz a médica Adriana Melo, de Campina Grande, especialista
em medicina fetal. Ela conta que as duas mulheres, que estão na 30ª
semana de gestação, relataram presença de exantema (erupção cutânea com
pontos vermelhos) na gravidez. O sintoma é uma das características da
zika – doença identificada em 14 Estados brasileiros este ano e
transmitida pelo mesmo vetor da dengue, o Aedes aegypti.
O diretor de vigilância de doenças
transmissíveis no Ministério da Saúde (MS), Cláudio Maierovitch,
informou ontem ser “altamente provável” a correlação entre o aumento
incomum no número de casos de microcefalia com uma possível infecção das
gestantes pelo vírus da zika. “Não é esperado que exista vírus zika em
nenhum tecido do corpo humano. Isso mostra uma infecção aguda, que
passou para o feto”, disse Maierovitch, ressaltando o caráter inusitado
desse evento, já que não havia relatos anteriores de relação entre zika e
malformação congênita de qualquer espécie. “Não está comprovado, mas é
uma relação provável. Cientistas devem nos ajudar a mostrar relação de
causa e efeito.”
O maior número de casos de
recém-nascidos com microcefalia está em Pernambuco. Das 399 notificações
no Brasil este ano (147 foram registradas em 2014), 268 se concentram
em 79 municípios do Estado, que passou por uma epidemia de zika no
primeiro semestre deste ano, segundo o médico Carlos Brito, pesquisador
colaborador do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, unidade da Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Pernambuco. Ele acredita que, dos 117 mil
casos de dengue notificados este ano em Pernambuco, 80% sejam, na
realidade, de zika, cuja confirmação só é feita pelo Instituto Evandro
Chagas, no Pará. No Brasil, ainda não há sorologia disponível
comercialmente para realização em massa dos testes de zika vírus.
“Para considerar 80%, usamos como
parâmetro um estudo de base hospitalar que investigou cerca de 1,1 mil
pacientes atendidos, nos cinco primeiros meses deste ano, na emergência
de um hospital particular da capital pernambucana. Desse total, 81%
preencheram critérios clínicos de zika, com destaque para manchas na
pele, ausência de febre ou febre menor que 38 graus, vermelhidão ocular,
inchaço e dor nas articulações”, diz Carlos Brito.
O pesquisador reforça que a possível
infecção das gestantes pelo vírus da zika tem despontado como
responsável pelo avanço da microcefalia por vários motivos,
especialmente porque as infecções congênitas (toxoplasmose, rubéola e
citomegalovírus), geralmente relacionadas à anomalia, não estão ligadas a
um aumento inesperado de recém-nascidos com microcefalia. “Além disso,
observamos taxa alta de dispersão de casos de forma simultânea no
Brasil, o que sugere um fenômeno causado por arboviroses, doenças
transmitidas por mosquito. Outro detalhe é que cerca de 70% das mães
relataram exantema”, explica Carlos Brito. O pesquisador acrescenta que
dificilmente se pensa em dengue como causa porque estudos já mostram que
a doença não está associada a malformações congênitas. Do JC
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