domingo, 1 de julho de 2018

Após polêmica, governo cancela exibição de peça com Jesus travesti no FIG


Monólogo interpretado pela atriz Renata Carvalho (foto) foi escrito por uma dramaturga transexual escocesa e trazido ao Brasil através de uma argentina radicada em São Paulo / Ligia Jardim/Divulgação

JC Online

Com a polêmica criada pela exibição da peça "O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu" no Festival de Inverno de Garanhuns, o Governo do Estado divulgou neste sábado (30) uma nota informando o cancelamento da apresentação do espetáculo. Na nota, a Secretaria de Cultura de Pernambuco afirmou que "diante da polêmica causada pela atração e da possibilidade de prejuízos das parcerias estratégicas e nobres que o viabilizam. O Festival de Inverno de Garanhuns foi criado para unir e divulgar nossas expressões culturais e não para dividir e estimular a cultura do ódio e do preconceito".
Procurado pela reportagem do JC, o secretário de Cultura afirmou: "O tema do festival este ano é um tema de luta. Já perdemos várias e ganhamos outras. O tema será mantido e esperamos um apoio da sociedade porque a liberdade está mais necessitada do que nunca de defesa".
Em sua página no Facebook, Marcelino Granja critica "a intolerância" demonstrada por aqueles que se manifestaram contra a apresentação do Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu, liderada pelo prefeito de Garanhuns, Izaías Régis (PTB), que, em entrevista à Rádio Jornal de Garanhuns, disse que não permitiria que o espetáculo fosse apresentado no Centro Cultural Alfredo Leite Cavalcanti, embora a intenção dos organizadores fosse apresentá-lo na Casa Galpão, um espaço alternativo com capacidade para 70 pessoas, com censura 18 anos e no horário alternativo das 23 horas.
Nesta sexta (29), o prefeito de Garanhuns, Izaías Régis, inflamou a polêmica ao afirmar que não abriria as portas do Centro Cultural da cidade, no próximo dia 26 de julho, para a apresentação. Segundo o prefeito, o espetáculo, que faz uma releitura de Jesus vivendo nos dias atuais como uma travesti, é uma ofensa a grupos religiosos.


"Não temos nada contra os transexuais, mas isso é uma coisa que atinge o cristianismo, as pessoas, as religiões. Eu falei por telefone com Marcelino Granja [secretário de cultura do Governo do Estado] e disse que não permitiria que apresentassem a peça no Centro Cultural", afirmou o prefeito, enfatizando que sua colocação "é a mesma que nós estamos vendo nas redes sociais de Garanhuns e do Brasil todo".
Márcia Souto, presidente da Fundarpe, órgão responsável pela execução do FIG, afirmou que, diante das ameaças às parcerias, o governo optou por "preservar o espírito do festival". "Vamos debater esses temas nesses tempos difíceis de intolerância. Não discutir apenas esse fato isolado. Precisávamos garantir o sucesso do Festival de Inverno de Garanhuns e o espaço que oferece aos artistas e o acesso à população aos grandes espetáculos que proporciona, como um festival aberto, participativo, com uma curadoria que ouve vários atores", disse. "Esperamos que esse episódio não macule o festival. Temos que defender mais ainda o princípio da liberdade, principalmente dos artistas, que precisam dela para se expressar".

O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu foi apresentada no início de junho no Recife, dentro do Trema! Festival de Teatro. A apresentação no Teatro Apolo foi lotada e a performance de Renata Carvalho, ovacionada. O monólogo propõe uma reflexão sobre a tolerância e o respeito às diferenças a partir da questão seguinte questão: "E se Jesus voltasse à terra como uma travesti?". A obra prega o amor e a tolerância e busca dar visibilidade às vivências trans, quebrando estigmas e lutando contra o ódio que faz do Brasil o país que mais mata LGBTs no mundo,.
"Mais uma vez somos censurados num país que prima pela liberdade de expressão e se diz democrático. Disseram que se nós nos apresentássemos não haveria mais espaço para nenhum outro espetáculo se apresentar, comprometendo todo o festival. O festival então resolve cancelar nossa participação. Tudo isso se deve porque nós representamos Jesus num corpo travesti. O problema, o ódio que move todo esse povo é a imagem que ele tem da travesti, a construção social  e a criminalização dessa imagem do travesti, a folclorização dessa imagem. Porque Jesus é a imagem e a semelhança de nós todos, menos de nós travestis. É inapropriado, é sexualizado, é fetichizado, é sem-vergonhice. A nossa sexualidade não é válida, não é legitimada. E é disso que o espetáculo fala.  E fala também de tolerância, de amor", comentou a atriz Renata Carvalho.
NOTA
O gabinete da Prefeitura de Garanhuns divulgou na noite do sábado (30) uma nota sobre o cancelamento. No texto, o prefeito Izaías Régis manifesta sua "satisfação" com o cancelamento da apresentação, nega que o protesto aconteça por conta de disputas políticas (Izaías apoia o candidato de oposição ao governo de Pernambuco, Armando Monteiro) e diz que não é contra a liberdade de expressão, apesar da pressão para o cancelamento. Confira a nota completa:
"O Governo Municipal de Garanhuns, na sua representação oficial o prefeito Izaías Régis, vem a público manifestar sua satisfação de ver que o clamor da sociedade de Garanhuns num pedido expresso de respeito à fé cristã, que foi transmitido para todo o Estado a partir de uma entrevista sua a uma emissora de rádio, reforçado pela população nas redes sociais, bem como ratificado por instituições religiosas que externaram o seu posicionamento, tenha sido ouvido pelo Governo do Estado de Pernambuco, culminando com a suspensão da apresentação em Garanhuns, do espetáculo 'O Evangelho segundo Jesus - a Rainha dos Céus'.
Lamentamos, portanto, que o Governo Estadual, tenha tentado desvirtuar o fato, querendo relacionar a questões políticas. A figura institucional, o Prefeito Izaías Régis, é a representação oficial da população de Garanhuns, e essa representividade legal a ele outorgada por meio do voto, foi usada para se posicionar, colocando-se não contra a liberdade de expressão artística, mas sim contra a que essa liberdade não viesse a desrespeitar nenhum símbolo sagrado de uma religião, e de todos os seus seguidores.
O que não podemos deixar de ressaltar é que infelizmente, esse tipo de situação ocorre, porque o Festival que é de Garanhuns, é discutido e formatado sem nenhuma participação do povo de Garanhuns. Mas, sigamos, que tenhamos um Festival de Paz e que Deus continue nos abençoando." Gabinete do Prefeito

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